Lidos sem conhecimento de autoria, os contos de Dois nós na gravata dão a impressão de integrar uma antologia de diversos autores. Não há pontos notáveis de similaridade. Tema, gênero, estilo e linguagem se modificam título a título, à feição de uma galeria de assinaturas literárias.
Ocorre que o livro tem um único autor, o pernambucano Rômulo César Melo. Surpreende, portanto, o domínio técnico em investir em tamanha versatilidade narrativa e compor uma série de textos que se destacam não pelo sentido de unidade, mas por conta de suas qualidades individuais.
Trata-se de uma seleta de contos, na aquisição mais autentica do termo.
Ora se investiga a transcendência do amor e da comunicação, no tempo do homem das cavernas, ora se apega a um elo entre irmãs, na Rússia do século 18. Ora flerta com a estética do insólito, ora assume um olhar afinado do cronista. Ora lembra Nelson Rodrigues, ora evoca Dostoiévski.
São experiências distintas que, apesar de não formular uma corrente de leitura, prende o leitor pelo alto nível da escrita. Há contos realmente muito bons.
“Chá com torradas” é um mergulho na psicopatia de personagem governado pelo Complexo de Édipo. “Tô viva, Tereza!” acompanha, com uma dosagem calculada de bile e de humor, uma mulher traída e abandonada pelo marido, que é premiada pelo destino com um tipo de revanche. “Um conto não autorizado” potencializa a metalinguagem.
Nenhum, porém, consegue alcançar a genialidade de “De volta à Praia do Futuro”, um tremendo soco no deslumbre pela literatura, que merece uma atenção especial.
Casado e pai de dois filhos, o protagonista é um indivíduo falido que, aos 40 anos, ainda alimenta a ilusão de viver de literatura. Enquanto não está sonhando em ser reconhecido, passa horas e horas num quartinho de empregada que transformou num museu de suas conquistas medíocres (medalhas e certificados de concursos).
A esposa, que ele engravidou na adolescência, numa festa de bebedeira, é a única que trabalha. E reage com tamanho desprezo à vontade do marido de ser “exxxxcritor”, que o sujeita ao ponto de forrar com ração de cachorro o piso do “seu cantinho”. Vê se passa o fim de semana na tua casinha e late baixo. Deixei comida suficiente, dispara.
Até que, certo dia, ele se encontra por acaso com velhos colegas de colégio, e o papo lhe reaviva lembranças. De volta à casa, procura fotografias daquela época e, ao tocar numa porta dentro de um retrato, é transportado ao passado, onde tem a chance de interferir nos acontecimentos da festa que selou seu destino.
É uma porrada, que escancara o quanto é foda, humilhante e triste tentar ser escritor no Brasil, sobretudo quando a idade e o curso da vida já não permite encantamentos. Faz coro ao conselho de que, diante do fogo da escrita, o melhor é resistir o máximo que puder. Desiste sempre. Isso vai evitar muitos, muitos e muitos anos de bruta decepção.
Por conta de sua prosa segura, criativa e magnética, as narrativas de Dois nós na gravata ganhou o Prêmio Pernambuco de Literatura. Pelo impacto de sua verdade, o conto “De volta à Praia do Futuro” deveria ser aplicado em todas as oficinas literárias desse país.
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Livro: Dois nós na gravata
Editora: Cepe Editora
Avaliação: Muito Bom
Que ótimo. Achei interessante por se tratar de uma coletânea heterogênea. Vou logo ler.
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