Embora não se assuma literatura de gênero, Das pequenas corrupções cotidianas que nos levam à barbárie e outros contos, do carioca Rodrigo Novaes de Almeida, poderia bem ser classificada como uma antologia de histórias de horror.
Durante a leitura, vieram-me as narrativas do uruguaio Horacio Quiroga que se constituiam a partir da exploração do elemento macabro dentro de uma realidade acessível ao homem comum. Situações extraordinárias que decorrem de um impulso menos fantasmagórico, armando-se através de experiências de loucura e de morte.
Almeida trabalha nessa mesma frequência que permeia a fronteira do inexplicável. Aquele momento entre o dia e a noite em que os nossos olhos precisam se adaptar, lusco-fusco a embaçar nossas retinas, como define o narrador do conto “Ondina”.
O terror advém da natureza humana, das consequências de perturbarções psicológicas que desencadeiam um estado de barbárie. São personagens que, de variadas formas, anseiam por ferir o outro, ferir a si próprio ou se livrar (inutilmente) de feridas oriundas de um passado que, em muitos casos, localiza-se na infância.
No ótimo “Eu, que já sou de barro”, por exemplo, uma menina testemunha uma discussão entre os pais, durante uma viagem de carro que pode culminar numa tragédia. Mamãe e papai estão brigando outra vez. Eles brigam e a culpa é sempre minha. Papai diz para a mamãe que vai me afogar no mar, assim se inicia o relato.
E aqui está a maior dificuldade do resenhista: o autor se vale de um artíficio muito comum às histórias de terror, que é conduzir a trama num crescendo até bruscamente girar a chave e posicionar o leitor diante de uma fresta, um espanto, um assombro. De modo que fica difícil revelar muito sem comprometer a experiência de leitura.
O que deve ser dito – e elogiado – é o controle de Almeida sobre o espaço reduzido, dando forma à sua tessitura mediante o uso de frases curtas e bem pontuadas. Com isso, a trama ganha ritmo e se torna envolvente por conta da permanente impressão de que algo irá acontecer na próxima linha.
Construído esse clima inquietante, os temas percorrem a violência social, a ruína da instituição familiar, a exposição do sexo, a decadência moral e a brutalidade que decanta das ações oridinárias. (…) que nos levarão à barbárie, e não as grandes corrupções que são o que movem, de fato, as civilizações, atenta o protagonista do conto-título.
O problema está no excesso. Há contos demais – são vinte, no total -, que muitas vezes recorrem ao mesmo assunto, amortecendo o impacto que veio do texto anterior. Inclusive, algumas narrativas dialogam entre si, mas sem conseguir estabelecer o efeito de atração que desenvolveram em separado.
Um pouco mais enxuta, Das pequenas corrupções cotidianas que nos levam à barbárie e outros contos se colocaria como uma das mais interessantes coletâneas do ano.
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Livro: Das pequenas corrupções cotidianas que nos levam à barbárie e outros contos
Editora: Patuá
Avaliação: Bom