Vozes de uma infância corrompida

A criação literária de Em conflito com a lei tem origem em processos do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. O autor Lucas Verzola é servidor lotado no órgão responsável pelo processamento e julgamento em segundo grau de todos os feitos envolvendo adolescentes que praticaram atos infracionais.

Do contato diário com tais ações  – que, caso fossem praticadas por adultos, seriam consideradas crimes -, Verzola mergulhou numa realidade em que a pobreza, a desestruturação familiar, a baixa (ou ausência de) escolaridade e o consumo de drogas coexistem para procriar uma legião de jovens entre 12 e 17 anos detidos e confinados por ilicitudes relacionadas a roubo, tráfico de drogas, furtos e, em menor grau, receptação, estupro, desacato, resistência e homicídio.

O livro é, portanto, uma maneira de fornecer, por meio da literatura, recortes desse universo repleto de peculiaridades, contradições e conflitos.

Formalmente, poderia ser algo classificado como uma seleta de contos. Mas não seria de todo fiel. O autor ergue uma espécie de parlatório de onde ressoam relatos e testemunhos de vidas seladas por uma infância corrompida e vazios diversos que são preenchidos pelo substrato tóxico de uma existência fora da lei.

Acertos de conta, assaltos, perseguições, vinganças e disputas territoriais enredam essas breves histórias, urdidas com uma linguagem dura, ágil e pontuada por gírias. O lado da justiça ganha voz em participações direta e indireta de policiais, magistrados, agentes sociais e conselheiros tutelares. A secura das narrativas, porém, deixa brechas para passagens comoventes e aquelas que tocam mesmo que sejam justificativas deturpadas de afeto, a exemplo do filho que sai para roubar para que a mãe não precise trabalhar cedo.

Verzola acha a medida ideal entre o teor pueril e a atitude violenta que significa seus personagens. Ainda que deixe claro que todos os textos são exclusivos da ficção, a legitimidade contida nas falas as colocam numa estritura entre o factual e a interpretação, um campo semelhante ao que reside o jornalismo.

O livro, aliás, combina a escrita com desenhos, recortes de reportagem, bilhetes escritos à mão e anúncios. Um jogo entre texto e imagem que traz à memória os títulos do magistral Valêncio Xavier, em especial Rremembranças da menina de rua morta nua.

Em conflito com a lei abriga o drama de tantos pixotes e dadinhos, cujas páginas seriam insuficientes para o drama real das crianças marginalizadas no Brasil.

 

 

***

 

 

Livro: Em conflito com a lei

Editora: Reformatório

Avaliação: Muito Bom

Deixe um comentário