O mineiro João Gabriel Paulsen venceu o Prêmio Sesc de Literatura 2019, com o livro de contos O doce e o amargo. O volume reúne nove narrativas relativamente longas, pautadas por temas de aspectos sombrios que regulam certos ritos de passagem.
O autor tem 19 anos e cursa, simultaneamente, faculdade de Filosofia e de Psicologia. Ambos os fatores têm forte presença em seus textos que apresentam uma imaturidade controlada e uma predileção pelo metafísico, pelo meio campo cinzento que une os desvãos da mente à materialidade do corpo.
Colocando em partes, a escritura ainda em formação acerta em cheio ao se calçar de boas referências, em especial de autores canônicos, como Shakespeare, Beckett, Dostoiévski e Camus. Paulsen, inclusive, vai além de beber da fonte, incorporando trechos e frases desses autores em seus contos.
O resultado não se presta a um arremedo literário, pois, para além da colagem, transparece um talento genuíno. Há textos realmente bons. Densos, alinhavados em sobreposições de camadas e conduções de sentidos, que apontam para um hibridismo na linguagem, entre o erudito e o coloquial, e no gênero, entre o prosaico e o lírico.
Por sinal, no que diz respeito ao conceito, não seria impróprio afirmar que se trata de uma antologia de horror, no sentido naturalista do termo. “As palavras”, que abre o livro, tem um quê de Allan Poe ao usar a fórmula do hermetismo soturno, no qual um homem fronteia um demônio em toda possibilidade de significados ambíguos.
“O ódio ou Pais e filhos” se embanana inicialmente com um filosofês, mas se endireita no curso de uma imergência psicológica tensa e sanguinolenta. A narrativa também revela uma forte tendência para o apelo imagético, muitas vezes amortecendo o ritmo em prol de uma aderência visual.
“A dor”, o melhor do conjunto, é um relato multifário que amarra três personagens num circuito de (de)formações e finamentos, o corpóreo e o de uma utopia sobre os caminhos da vida. Essa primeira parte de alto nível se encerra com “A mentira”, micro novela sobre um caso feral num orfanato a la Henry James.
A segunda metade é mais irregular. “A paixão ou Os dois” e “(Des)amordesespero ou Sonho de uma noite de verão” são textos genéricos, que manifestam uma juvenilidade ao versar sobre o acontecimento do amor por meio de contrastes e de voos da consciência entre os atores de um relacionamento.
“Bicicleta ou Viver para sempre” movimenta-se por um sinuoso ciclo de elucubrações filosóficas, talvez em busca de uma coerência interna, talvez em busca de um entendimento sobre o deus que habita a normalidade. A morte é o extremo oposto do cotidiano. O cotidiano é uma mentira, sentencia o narrador.
A coletânea se encerra com o diletante “(Des)encontro” e, retomando à boa forma, “Uma cinzenta manhã na vida sem graça de um jovem comum”, um alinhamento de inquietação anímica e intertextualidade, outra vez pisando sobre passos de clássicos da literatura universal de modo a produzir um tipo de entropia particular.
Paulsen é um escritor ainda em amadurecimento, contudo seu premiado livro de estreia mostra que se municia dos atributos certos para encontrar sua voz. Um autor para se ficar de olho.
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Livro: O doce e o amargo
Editora: Record
Avaliação: Bom