Granulações, de Anna Monteiro, tem início com uma ruptura. A declaração do fim de um relacionamento. Um amor que fracassa.
Nina é uma jornalista idealista e ambiciosa, que se enamora por um homem mais velho, Pedro, um fotógrafo experiente e premiado, cuja vida sentimental foi demarcada por inúmeras relações sem nunca de fato se comprometer com alguém, como é em tudo que faz.
O final do caso, porém, é o ponto de partida. O acionamento de um trilho para o recapitulação dessa história a dois; uma radiografia da memória afetiva, dos meandros do que eram antes de se conhecerem e no que se transformaram depois de anos compartilhando o mesmo teto.
A troca de influências, os aprendizados, a reforma do apartamento, os cachorros que criaram, o esfarelamento do plano de envelhecerem juntos. Uma soma de episódios que se decanta numa linha do tempo emocional, da chama da novidade, a paixão e o conforto, até o baque da decepção, o autoengano, a angústia. O vazio.
Anna Monteiro define duas vozes para montar seu romance. Dois pontos de vista para o mesmo problema central, que se alternam em capítulos fechados, oferecendo versões particulares sobre o que se passou, a partir da sucessão de pequenos acontecimentos.
É uma trama de espelhamentos e contrastes. E tal dinâmica narrativa impõe alguns desafios.
O primeiro deles é caracterizar e diferenciar cada um dos narradores através da fala. Em seguida, é necessário dar escala a esse espaço dramático que se conforma à base de um conflito. E, por fim, desenvolver tal conflito de modo que a resolução impulsione o leitor ao encontro da pergunta nuclear; neste caso, por que acabou?
A autora se sai bem em quase todos esses itens.
Seus personagens são fortemente construídos, humanos, dimensionados em seus aspectos psicológicos e na maneira com que agem e reagem.
Nina começa fascinada pelo namorado, atropela-se em algumas decisões, e vai se intensificando à medida que certas circunstâncias lhe ofusca o encantamento. Ao passo que Pedro vai num sentido contrário; a princípio despretensioso e cheio de si, depois encastelando-se nessa relação de uma maneira pueril e dependente.
É interessante como a narrativa desloca, de maneira contínua, os personagens de posições. Outro efeito positivo é personalizados por meio de suas relações com o lugar onde residem e de onde vieram, e também a partir de suas referências geracionais.
Nesse âmbito, situa-se o segundo item, que se configura outro acerto.
A relação de Nina e Pedro, em sua trajetória de encontros e desencontros, não se confina na rotina do apartamento e do escritório de trabalho. Enreda-se pelas ruas, vielas, becos, bares, praias e monumentos do Rio de Janeiro de forma tão viva que a cidade opera quase como um terceiro personagem.
Estão presentes os desenhos da geografia selvagem e urbana, assim como o espectro carioca em sua manifestação recorrente de beleza e caos.
Chega-se, então, a um ponto frágil no tratamento do enredo. Ainda que seja centrado na vida cotidiana e nas inter-relações pessoais, falta energia na articulação do conflito, tornando certas passagens do livro um passeio por espaços já visitados e territórios de platitudes.
Se a autora tivesse trabalhado com mais incisão uma condição psicofísica de um dos personagens, que contribui eminentemente para o fim do relacionamento, ofereceria uma maior medida de tensão para a leitura, a exemplo do que fez a americana Lydia Davis, em O fim da história, cujas premissas se parecem muito.
Todavia, não é nada que traga qualquer tipo de perturbação ao leitor.
Anna Monteiro, em seu romance de estreia, revela-se uma narradora pronta, dotada de uma escrita segura, de frases bem pontuadas e domínio formal.
Além disso, em seu fundo simbólico, instiga discussões sobre o comportamento do homem quando se pega sob a liderança de uma mulher, o fortalecimento do papel feminina dentro de uma relação conjugal, e o fracasso do homem adulto em seu esforço em negar as responsabilidades da maturidade.
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Livro: Granulações
Editora: Reformatório
Avaliação: Bom