Era final de 2015, e dados do IBGE apontavam o maior número de desempregados no Brasil nos últimos 10 anos, 100 milhões de pessoas. O país entrava na insuperável crise econômica, que fechava empresas e/ou produzia cortes maciços em quadros de funcionários.
No instante em que se inicia Manual da demissão, da carioca Julia Wähmann, sua narradora acaba de se integrar a esse time.
Está nos 20% dos empregados que foram postos na rua, de maneira repentina. Agora é juntar os objetos numa caixa de papelão, salvar num pen drive os arquivos particulares (antes que o acesso ao HD seja bloqueado) e se dirigir ao Departamento Pessoal.
É a crise, todos entoam num tipo de mantra nefasto. Muitos estão passando por isso.
Paralelamente, a personagem acaba de ser dispensada pelo namorado, a quem apelida de “o bunda do ex-namorado”. Para ambos os eventos, compartilha de uma ambiguidade de sentimentos que guia a sua maneira de agir e de pensar.
Celebra o fato de não precisar mais “viver num ambiente acarpetado, com um escravocard e sob luz fria” com idas à praia no meio da semana, aplausos ao pôr-do-sol e porres de cerveja importada com os amigos A. e B., também no time dos demitidos.
Por outro lado, chora copiosamente em público, quando não consegue pôr as mãos no dinheiro, depois de uma maratona de paciência por agências bancárias e repartições públicas, a fim de resgatar o FGTS e dar entrada no seguro-desemprego.
O mesmo ocorre em relação ao ex-namorado. Trata-o com menosprezo, até descobrir que “o bunda” deu um outro rumo para sua vida afetiva.
No geral, porém, prevalece o estilo de vida dedicado à farra, à celebração do total descompromisso.
Daí, A. ganha uma bolsa de criação literária e se muda com a família para Portugal, quebrando o ciclo. Não custa para B. também pôr um freio na esbórnia e se dar conta de que “a ociosidade é a mãe de todos os vícios”.
A coisa azeda, então. A narradora entra numa onda cinzenta de humor, e passa a tomar remédios controlados.
As dispensas nas empresas, no entanto, seguem firmes. E, de tanto receber amigos em seu apartamento, com suas devidas caixas de papelão e a cabeça baqueada, ela formula um manual da demissão que, dentre os tópicos, encontra-se um livro grosso do Bolaño.
Wähmann se apossa de um tema atualíssimo, para abordar problemas recentes e outros ancestrais, com uma irreverência fina e perspicácia.
Expõe o absurdo que há na profissionalização da burocracia no Brasil, nos procedimentos ultrapassados, dirigidos por pessoas de atitudes rançosas, que demandam uma soma de documentos, horas de espera e erros com soluções cômicas de tão bizarras.
Na mesma medida, toca em assuntos como política atual (a trama se passa durante o processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff), a debandada de brasileiros para Portugal (com uma piada ótima) e as corrupções menores que acabaram batizadas por aqui de “jeitinho brasileiro”.
O enredo ainda se constrói com o uso de referências culturais; de músicas, filmes e livros que versam, em maior ou em menor grau, sobre a temática do emprego ou da falta dele. É um recurso de apelo satírico que fisga o leitor para a história, conduzida por uma escrita leve e de ritmo ágil.
Manual da demissão não é um livro que ensina a arrumar emprego, porém é uma leitura rápida e saborosa, até mesmo para quem está na fila à espera de uma vaga.
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Livro: Manual da demissão
Editora: Record
Avaliação: Bom