Solidão e outras companhias, de Márwio Câmara, reúne 13 contos marcados pela experimentação formal, a dimensão psicológica e o pacto entre a vida e a arte. Conectados por motivações de intensa subjetividade, os personagens ora agem feito reféns de seus desejos e falhas morais, ora como destroços da fratura de uma relação a dois.
Em seu livro de estreia, o autor carioca explora os desvios do comportamento humano, que conduzem à experiências induzidas pela volúpia, pela sedução, pela fantasia, pelo desamparo e pelo autoexílio. Em termos gerais, é um exercício de alteridade. A maneira com que opera o enredo constitui um plano de intertextualidade.
Tomando como centro nervoso do livro o conto “A chuva que me lembra dela”, nota-se como a prosa ficcional de Márwio se reverencia a uma soma de autores clássicos.
A narrativa, que versa sobre um relacionamento homem-mulher baseado no sexo e em outras investigações sensoriais, a todo momento incorpora ao seu desenvolvimento citações que vão de Proust a Hemingway. Márwio ainda estabelece um diálogo incessante com outras expressões artísticas, a exemplo da música e do cinema, criando pontos de atração que vão mobilizar o leitor para o que está fora dos limites da história, momentos em que se vê confrontado por suas próprias referências.
Esse é um recurso ousado que, quando mal colocado, assemelha-se a um efeito posto em prática com o intuito de camuflar a pobreza da escrita. Não é o caso. Dentro desse universo fragmentado, essa irresistível articulação entre inventividade e tributo gera uma noção de unidade, de que, na verdade, trata-se de uma novela.
O peso, então, recai sobre a linguagem. Se por um lado a carga erótica convoca descrições vulgares e expressões mais chulas, por outro o autor escolhe um vocabulário que demonstra cuidado na escolha das palavras, injetando um lirismo que se pronuncia, sobretudo, na composição dos ambientes externos e em mergulhos autorreflexivos.
Solidão e outras companhias mostra um autor que, experimentando suas ferramentas, deixa entrever a qualidade de seu texto. Ao contrário de seus personagens, Márwio Câmara sai da zona de sombras em direção a uma promessa de luz.
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Livro: Solidão e outras companhias
Editora: Oito e Meio
Avaliação: Bom