Antes de entrar de fato nas breves cartas que compõem O sofá laranja, a carioca Fania Szydlow Benchimol explica o meio pelo qual as missivas chegaram às suas mãos.
Durante um passeio pelo Central Park, em Nova Iorque, a autora conta que se deparou com um maço de correspondências sobre um banco, bem atado por uma fita laranja. No mesmo assento, estava anotada a seguinte frase: Para meus pais, Susan e Sam, que aqui viveram um grande amor. Da sua filha Glória.
Assim, apoderou-se dos papéis e, após traduzir seu conteúdo, descortinou um recorte de tempo em que vieram à tona cenas do prosaico dessa relação. Todos os textos se iniciam com a data do dia, seguido pelo vocativo “Querido Sam”. Quem os assinam é Susan, abrangendo o período de 1º a 24 de janeiro de 2002.
O leitor, portanto, é acomodado na posição de espectador, assimilando os enlaces da intimidade do casal a fim de descobrir o motivo do registro dessa peça de vida.
Em seus relatos, Susan intercala descrições de situações corriqueiras à lembranças de um passado recente, confissões e andanças internas. Fala da visita da filha, dos encontros com parentes do marido, do inverno, da moça estrangeira que subaluga o apartamento, do sofá laranja de estimação, da descoberta de um segredo.
É a chave que vai se virando paulatinamente durante a leitura. Embora tenha a substância de uma declaração de amor, com a linguagem embebida em afeto e lirismo, o solilóquio que se desenrola aponta, de forma incontornável, para um fim. As cartas são, afinal, uma retrospectiva sentimental, um diário delineado pela perda.
Mas o que aconteceu com Sam? Por que, por mais que se tente estabelecer uma comunicação, o marido de Susan adquire o papel de um destinatário inatingível?
Em seu compromisso temático, a novela de Faina se avizinha a livros como O brilho do bronze, de Boris Fausto, e, especialmente, Carta a D., obra-prima do austríaco André Gorz. Dramas que avançam com o diesel da memória, de modo a recuperar emoções que galvanizam, do mero convívio, razões para fazer de alguém amado imprescindível.
A diferença está no formato epistolar e por trabalhar no campo da ficção. A autora obtém bons momentos ao evitar o lado pesado e torturante do luto, guiando sua história pelo não pertencimento que decai sobre aquele que se vê refém da saudade.
Desse modo, uma tragédia de escala mundial tem o mesmo impacto que uma ruína particular, feito torres gêmeas que desmoronam juntas.
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Livro: O sofá laranja
Editora: Tinta Negra
Avaliação: Bom