Talvez por influência (direta ou indireta) das redes sociais, o microconto tem aparecido com mais frequência na produção literária brasileira.
No ano passado, por exemplo, as coletâneas Girassol voltado para a Terra, do paulista Renato Tardivo, e Lúcifer e outros subprodutos do medo, do mineiro Whisner Fraga, destacaram-se pela perícia de seus autores em agregar técnica e observação em prol da arte de constituir uma história por meio da concisão narrativa.
Microficções, do carioca Tiago Velasco, é também um sortimento de contos mínimos, porém um em que o requinte condiciona uma manufatura mais complexa.
Em parceria com a artista visual e designer Mariana Destro, o livrinho (no sentido de suas dimensões) combina palavras, formas e espaços na fabricação caseira de um projeto editorial marcado pelo apuro, pelo bom gosto e, sobretudo, pela reverência a um modo milimétrico de praticar o fazer literário.
Velasco divide sua coletânea em duas partes. A primeira volta-se a um confabulário mundano, ao passo que a segunda justifica o título.
Na prensa ocular do autor estão temas como a vida cotidiana, a animália, a sociedade de consumo e as relações humanas. As frases, aparentemente desarticuladas, vão se encaixando num mosaico que guarda, em seus limites exíguos, duas significações: a visível e a secreta (viva Piglia!)
É o caso de “A noiva”: Véu, grinalda, chuva de arroz. Jogou o buquê para a futura mulher de seu marido.
Nos contos, digamos, “maiores”, esse segredo se resolve no impacto do arremate. As tramas circulares concentram sua força na última frase, dando propósito ao título e acertando o leitor à queima-roupa.
Desfilava nas passarelas de Paris, Nova Iorque e Milão. Os principais estilistas disputavam para que ela vestisse seus looks. Diziam que tinha uma beleza exótica. Um rosto indecifrável era o elogio máximo. Inexpressiva, fazia a roupa brilhar. Morreu sem uma ruga, de “Top model”.
O destaque, porém, fica a cargo dos nanocontos em que o escritor, “meticuloso, escolhe a ambiguidade com precisão”. São manifestações honrosas à escrita, esse altar onde cabem deuses de todos os tamanhos, onde o encorpado do volume não determina a qualidade.
Vide “Microconto”: Há quem anote pequenos trechos em cadernos para depois escrever crônicas, contos ou romances. Eu me dou por satisfeito.
Faz bem.
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Livro: Microficções
Editora: Autopublicação/Projeto gráfico: Mariana Destro
Avaliação: Bom