Em re-cordis, a pernambucana Ágnes Souza parte de um esforço consciente para construir sua poesia através da supressão da forma. O resultado, parafraseando a epígrafe que toma emprestado um verso da portuguesa Matilda Campilho, é “uma aventura tremenda” pelo limite vocabular, no qual o vazio é tão (ou mais) expressivo que a palavra.
Tudo se quebra, (res)significa-se de partes de si. amor/tecer/a/dor, do poema “amortecedor”. São instantes infinitesimais de um olhar de frente para a vida afora, para o reino de si. A autora encontra seus temas no prosaico, nos sentidos, no corpo do outro e no outro corpo que é a tentativa de decifrar a natureza humana.
quanto mais se compra livros
mais sobra espaço para lembranças,
mais se vive amores com nomes próprios
e amores próprios de sentimentos alheios.
(do belo poema “livreiro”)
Ágnes é direta e livre, sem que isso torne seus versos meras vinhetas. Há uma técnica própria dos aforismos, da métrica que se aparenta a do haicai. Apostando em enlaces sintáticos, a prosa vai se ajustando por meio de aliterações, de um movimento cujo compasso descobre uma sonoridade que prescinde de rima.
a saudade
é o móvel da sala
range de dor
me assusta no escuro
e mansinho se cala.
(de “saudade”)
Na sintonia que calibra a validade de seu conceito, pode-se, assim, ser descrita como uma poesia multifária. Como registro simbólico, é atemporal. Pertence ao agora, mas igualmente ao tempo pregresso, às memórias.
Não por menos, o título vem da origem do verbo “recordar”. O que remete à sentença de abertura de O livro dos abraços, de Eduardo Galeano, que é homenageado com um poema sensível. Escreve assim o escritor uruguaio:
Recordar: Do latim re-cordis, voltar a passar pelo coração
Do vermelho que passa pelo coração da autora, nada se recicla. É fatalista feito a ribalta escarlate, do poema “luz vermelha”.
dançou,
amou,
bebeu e morreu como um ocaso.
A vida é um palco de três versos.
***
Livro: re-cordis
Editora: Moinho
Avaliação: Bom
Muito bons. Vou procurar!
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Grato pela leitura, querida Adriane!
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