No poema “A voz”, o brasiliense Raphael Rocha versa sobre o canto velado que é a leitura: “E tem gente que acha/Que a voz nasce é na boca”.
A sua própria, que dá ritmo ao volume poético Fuga das horas, é conduzida por uma melodia incidental. Uma poesia que, aproximando-se da estrutura da prosa, atinge a consonância da composição musical, de um rock candango.
“Ouvi música e prosa pela fresta”.
Não há, nesse segundo livro do autor, a influência de um estilo definido, mas variações de um arranjo que modula um tema. O tempo. O passar da vida que se sente no corpo, nos porta-retratos de família, na alma. A finitude que dilui a matéria. “A gente não morre/Deságua/Na eternidade”, em “Acalanto”.
Essas expressões, que decorrem de uma nota, conformam-se em produções de tamanhos variados, poemas visuais, aforismos, vinhetas.
Rocha consegue explorar, em associações líricas, o assunto eleito através do concreto e do intangível, dos ponteiros e da saudade, do mundano e do íntimo. “E o preço do tempo/De fora/Imprimindo o mundo de dentro/Só vale mesmo/Se medido lá do fundo/Da gente/No pulsar que vem do centro”.
Desse modo, o poeta dialoga com o passado (a exemplo do belo “A estrutura”, dedicado ao pai) e com o próprio fazer literário. Uma canção de protesto contra aqueles que cadenciam os dias com uma voz que não a sua, com o silêncio. “Ele poderia ter sido alguém na vida mas preferiu [ser ele mesmo”.
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Livro: Fuga das horas
Editora: Patuá
Avaliação: Bom