Há muitos cantos em Sem vista para o mar, de Carol Rodrigues. Cantos de afeto, de desalento; canções de protesto, de sossego; choros, sussurros; cantigas infantis, elegias.
Os 22 contos que marcam a estreia da escritora carioca radicada em São Paulo são produtos de uma carpintaria magistral, um trabalho delicado e singular com a linguagem, no qual o fluxo semântico adquire uma cadência melodiosa.
Algo que pode soar como uma poesia acidental, mas que claramente denota a mão habilidosa da autora para selecionar as palavras e encaixar com cuidado as frases, a fim de encontrar uma modulação, uma ressonância estética, um timbre afinado.
Carol persegue o harmônico, mas fascinantemente o faz a partir da supressão, do atrito vocabular. A narrativa coleia por entre um terreno pedregoso e, de pequenos choques e cabeceios, vai erguendo uma musicalidade.
O mesmo exercício arriscado se dá na escolha dos temas. Perda da inocência, ritos dolorosos de passagem, voos da alma, devaneios e a feitura de uma lista de compras convocam ocasiões do maravilhamento e do prosaico com a mesma intensidade.
No entanto a potência não se concentra em cenas, e sim na sensibilidade do contar. É espantoso o efeito no leitor de que a narrativa está em construção no curso da leitura, como se a própria leitura fosse o movimento necessário para a composição do texto.
Desse modo, o conceito temporal fica à mercê de um jogo em que passado e presente podem coabitar uma mesma sentença, em que se valer de extremos não danifica a concisão. Da perversidade fonsequiana de “Um homem prudente” à doçura de “Penélope e a roda”, que traz à memória a poesia de Vinícius de Moraes para A arca de Noé, a antologia brande a unidade, a conexão irretocável entre os contos.
Sem vista para o mar é uma pequena joia carregada de tanto valor que reflete a aparição de um grande talento da literatura brasileira.
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Livro: Sem vista para o mar
Editora: Edith
Avaliação: Muito bom