Desesterro, da paulista Sheyla Smanioto, explora a violência no universo feminino.
A autora, que ganhou o Prêmio Sesc de Literatura 2015, na categoria Romance, situa seus personagens na fictícia Vilaboinha, um lugarejo que toma emprestado características do sertão nordestino.
A trama é centrada numa família de Marias, figuras de um retrato da miséria humana, cujas vidas estão irremediavelmente destinadas a tragédias.
Em meio a um tumulto de vozes, a que se sobressai é a de Maria de Fátima. Uma criança moldada em barro pela pobreza e pelo desamparo, que, adulta, passa do destrato da avó Maria da Penha para a crueldade do marido Tonho.
Esse homem-fera, que mata cachorros como que para reinar entre a matilha, é de quem foge mais tarde para São Paulo, levando consigo a filha bebê.
A penúria, porém, as persegue. E, no cotidiano esmagador de um barraco assombrado pelas memórias, elas descobrirão que estas são fantasmas menores do passado, pois como prediz, a certa altura, “o esquecimento é um crime sem corpo”.
Sheyla aplica, em seu romance de capítulos curtos que vão e voltam no tempo, a herança linguística de Guimarães Rosa.
A construção narrativa revela um domínio técnico fascinante no uso das palavras. Um movimento de acúmulos e de atritos entre vocábulos, de modo a produzir uma sonoridade regionalista, um canto dos aflitos capaz de extrair lirismo de um tema doloroso e brutal.
A pulsão é responsável ainda por fabricar um clima de espanto nos limites interiores e exteriores dos personagens, e notabilizar parágrafos e frases de efeito retumbante, a exemplo de: “Filha é a parte da gente que a gente ainda não conhecia”.
Desesterro é uma estreia que demostra a maturidade de uma autora que começa sabendo aonde quer chegar na literatura.
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Livro: Desesterro
Editora: Record
Avaliação: Muito bom