A imensidão íntima dos carneiros, do paulista Marcelo Maluf, tem como motor a impossibilidade.
No romance, o autor intenta um diálogo com Assaad, o avô que não conheceu e sobre o qual só dispõe de relatos sufocados que tangenciam uma família marcada por medos e silêncios.
O único modo de cruzar essa barreira, portanto, é através da literatura. Refazer uma trajetória com os instrumentos que só agem no plano da ficção, tornando-se um fantasma do tempo.
Maluf, na condição de uma presença invisível, volta às montanhas de Zahle, no Líbano, onde assiste os irmãos do seu avô serem mortos pelos soldados turcos.
A tragédia determina o envio imediato do menino, o filho caçula, para o Brasil, que se fixa na cidade de Santa Bárbara D’Oeste, interior de São Paulo.
A linha temporal então corre para os anos 1960, já com Assaad estabelecido como comerciante local, casado e com filhos, contudo ainda preso na redoma interior de amargura e ódio.
São essas memórias da infância mutilada com as quais irá preencher um caderno, que servirá de bússola para a investigação do neto. Um volume de páginas de escrita descompassada que irá descortinar o passado milenar de seus ancestrais e revelar que o futuro é uma curta travessia.
As passagens, assim, evocam um olhar sensível sobre a própria identidade. Uma prosa lírica que remonta fatos, bem como resgata uma tessitura particular da literatura árabe, na qual o corpo narrativo vai sendo composto por historíolas, provérbios e episódios em que animais ganham voz e humanos se bestializam.
O fantástico é o recurso para se dialogar com os mortos. Maluf mostra que a impossibilidade de se falar com o outro parte da necessidade de se falar consigo.
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Livro: A imensidão íntima dos carneiros
Editora: Reformatório
Avaliação: Muito bom